quinta-feira, 15 de abril de 2010

Buruca e a sopa quentinha

Em 1962, fui contratado pelo Flamengo. (Lá, por coincidência, doze anos antes, tinha começado a jogar futebol de campo, com chuteira, no infantil, levado pelo meu irmão Nabih, jogador do clube de quem o Zizinho se dizia o maior fã.)

Excursionamos pela Europa, Rússia – naquela época separada pela célebre Cortina de Ferro –, norte da África (Tunísia) e Gana.

Foi uma viagem longa, de três meses, durante a qual aconteceram coisas super engraçadas que serviam para mostrar a personalidade de cada um. Éramos comandados pelo técnico Flávio Costa, treinador da Seleção Brasileira em 1950, que, apesar de excepcional, não conquistou o campeonato mundial no jogo final contra o Uruguai.

Chegamos à Escandinávia e ficamos sete jogos sem ganhar. Por causa disso, Gunnar Goransson, presidente da Facit na América do Sul e dirigente do Flamengo, solicitou ao seu amigo e empresário Borj Lantz, sueco como ele, que conseguisse alguns jogos na União Soviética, onde, achava-se, o nível do futebol era inferior e poderíamos ter mais sucesso. Ficamos hospedados num dos melhores hotéis de Moscou, perto da Praça Vermelha, e logo no primeiro dia de treino o couro comeu.

Foi um treino longo e muito pesado. Voltamos para o hotel cansados e com muita fome. É de se observar que a comida era servida em porções mínimas e a turma, mal acostumada, reclamava sempre.

No almoço, depois do treino, a fome era geral. Sentamos à uma das mesas preparadas para receber a delegação completa, no salão principal do hotel. O Buruca sentou-se a uma das extremidades da mesa, tendo já observado que o garçon, ao sair da cozinha, passaria primeiro por aquele lado. Ele, comilão que era, seria então o primeiro a ser servido. A delegação, toda presente, aguardava ansiosa que o almoço fosse servido.

Para espanto do Buruca, o garçon achou por bem começar a servir a delegação pelo outro lado. Esfomeado, percebeu que, de primeiro, tinha passado para o fim da fila. E foi aí que ele atestou a capacidade de improvisação e a esperteza do jogador brasileiro. Tranquilamente, abriu a boca e retirou a dentadura superior que usava e a “pousou” dentro do prato de sopa do colega sentado em frente, recém servido.

Tal e qual um submarino, e para espanto de todos, a dentadura foi afundando aos poucos e submergiu na sopa, desaparecendo no fundo do prato, que foi, então, gentilmente recolhido pelo Buruca.

Com a colher, Buruca recolheu a “perereca”, fixou-a novamente na boca e, com a maior descontração, provou a sopa, dizendo para os colegas: “Está muito boa!”

Risada geral e alívio para o estômago do Buruca.

OBS1: Deixei de citar o nome do atleta para evitar qualquer constrangimento por parte de alguém.

OBS2: O Buruca era um jogador veterano no CRF, campeão várias vezes, negro e muito forte, severo na marcação e quase sempre risonho e afável, apesar de destemido. Jogava duro, mas era um cara legal.

Texto de Ronald Alzuguir

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